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Ministro Luis Felipe Salomão comenta pontos relevantes da proposta de reforma do Código Civil
31 DE MARçO DE 2025


O vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Luis Felipe Salomão, presidiu, em 2023 e 2024, a comissão de juristas responsável por elaborar o anteprojeto de atualização do Código Civil. O trabalho da comissão é exposto em detalhes no livro A Reforma do Código Civil, a ser lançado nesta terça-feira (1º), a partir das 19h30, no Salão Negro do Congresso Nacional.

O livro – organizado pelo senador Rodrigo Pacheco, ex-presidente do Senado responsável pela instalação da comissão, e com introdução do ministro Salomão – reúne artigos que examinam em profundidade os principais pontos da proposta, atualmente em tramitação naquela casa legislativa.

Nesta entrevista, Salomão comenta algumas das mudanças mais relevantes sugeridas para a reforma do Código Civil.​​​​​​​​​

Quais motivos levaram à discussão sobre a necessidade de revisar o Código Civil de 2002?

Luis Felipe Salomão – As intensas mudanças na sociedade brasileira experimentadas ao longo do século XX, com modelos negociais e contratuais inovadores, passando pela engenharia genética, novos arranjos familiares com impactos no plano sucessório, a comunicação em tempo real proporcionada pela internet – agora disponível na palma da mão –, são apenas alguns exemplos de fatos que indicam a necessidade de atualização das regras que regem as relações jurídicas no campo civil.

Não obstante a plasticidade do Código Civil, bem como os reconhecidos e inovadores princípios da eticidade, operabilidade e boa-fé objetiva, o diploma já foi alterado por 64 normas, havendo ainda mais de 50 propostas de modificação pendentes de apreciação.

As alterações legislativas implementadas simplesmente não conseguiram suprir em tempo hábil todas as necessidades dos segmentos sociais, políticos e econômicos em constante evolução.

Antes de entrarmos nas principais propostas em discussão, como foi o trabalho da comissão de juristas?

Luis Felipe Salomão – Durante os oito meses de trabalho, a comissão (composta por 37 membros e seis consultores voluntários) enviou cerca de 400 ofícios a entidades representativas da sociedade civil, faculdades de direito, órgãos públicos e associações, com o objetivo de comunicar a abertura de prazo para sugestões.

Leia também: Comissão de juristas entrega proposta de revisão do Código Civil ao Senado

Recebemos 280 propostas da sociedade civil, as quais foram examinadas ao longo desse período, quando também foram realizadas quatro audiências públicas, além de vários debates acadêmicos nas universidades e eventos jurídicos. Inúmeras contribuições populares também chegaram pelo canal e-Cidadania.

Considerando toda essa participação social e a amplitude dos temas abordados, quais foram as diretrizes seguidas para consolidar a proposta entregue em abril de 2024 ao Senado?

Luis Felipe Salomão – O eixo que, de modo geral, orientou os trabalhos foi observar a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, os enunciados aprovados em jornadas promovidas pelo Conselho da Justiça Federal e as posições consensuais na academia e na doutrina sobre a interpretação de institutos jurídicos.

Ademais, alguns outros vetores orientaram as propostas de atualização: a) assegurar maior autonomia de vontade às pessoas; b) promover a desjudicialização de vários atos e procedimentos; c) estimular o empreendedorismo e facilitar o ambiente de negócios; d) garantir as alterações necessárias para atualização do texto, mas observando sempre o princípio da segurança jurídica.

Além da revisão e atualização de temas já consagrados no direito civil, uma novidade foi a sugestão de criação de um livro próprio dedicado ao direito digital – um livro totalmente novo, moderno, com potencial de se tornar importante marco para a regulação dos direitos fundamentais no espaço cibernético.

Este é certamente um dos temas mais importantes para o direito nos dias de hoje, especialmente com o avanço da inteligência artificial e o uso cada vez mais frequente de soluções digitais na vida moderna. Especificamente sobre serviços digitais e inteligência artificial, o que a proposta apresentou?

Luis Felipe Salomão – Os artigos 609-A a 609-G tratam da prestação de serviços e de acesso a conteúdos digitais, definidos por um “conjunto de prestações de fazer, economicamente relevantes, que permitam ao usuário criar, tratar, armazenar ou ter acesso a dados em formato digital, assim como partilhar, efetivar mudanças ou qualquer outra interação com dados em formato digital e no ambiente virtual”. As proposições buscam regular questões contratuais no debate atual, tal como o uso de inteligência artificial, que “deve ser identificada de forma clara e seguir os padrões éticos necessários, segundo os princípios da boa-fé e da função social do contrato” (artigo 609-F).

O que o anteprojeto propõe em relação ao mundo dos negócios, que tem passado por tão grandes transformações nas últimas décadas?

Luis Felipe Salomão – De fato, para amoldar as disposições do Código Civil à realidade social, em relação a tipos societários em desuso, apresentou-se sugestão de revogação dos artigos 1.039 a 1.051, que tratam da sociedade em nome coletivo e da sociedade em comandita simples.

No primeiro dispositivo do livro sobre direito de empresa (artigo 966), foram promovidos ajustes de redação a fim de conceituar, no lugar de empresário, a empresa, assim entendida como “organização profissional de fatores de produção que, no ambiente de mercado, exerce atividade de circulação de riquezas, com escopo de lucro, em prestígio aos valores sociais do trabalho e do capital humano”. Fixado o conceito, o parágrafo 1º esclarece que tanto o empresário como a sociedade empresária exercem atividade empresarial.

Uma das áreas que provocou mais debates foi o direito de família. Quais as principais propostas nessa temática?

Luis Felipe Salomão – Uma das propostas acatadas pela comissão foi atualizar o termo adotado para aqueles que se encontram em união estável – de companheiros para conviventes.

Não obstante a proposta de revogação do primeiro artigo do livro que trata do direito de família (artigo 1.511), os novos dispositivos (artigos 1.511-A a 1.511-G) traçam importantes balizas iniciais para esse núcleo essencial da sociedade.

Merece destaque o reconhecimento – ao lado da família constituída pelo casamento e pela união estável – da constituição de família parental (artigo 1.511-B), assim entendida aquela “composta por, pelo menos, um ascendente e seu descendente, qualquer que seja a natureza da filiação, bem como a que resulta do convívio entre parentes colaterais que vivam sob o mesmo teto com compartilhamento de responsabilidades familiares pessoais e patrimoniais” (parágrafo 1º).

Consta que a comissão também inovou em relação aos animais de estimação. Quais foram as sugestões?

Luis Felipe Salomão – No início do Código Civil, em atenção ao novíssimo tema do direito animal, propõe-se inserir que “a afetividade humana também se manifesta por expressões de cuidado e de proteção aos animais que compõem o entorno sociofamiliar da pessoa” (artigo 19). Um importante acréscimo na Parte Geral sobre o tema está no artigo 91-A, segundo o qual “os animais são seres vivos sencientes e passíveis de proteção jurídica própria, em virtude da sua natureza especial”, reservando-se para lei especial disciplinar “o tratamento físico e ético adequado aos animais” (parágrafo 1º).

Ainda em relação ao mesmo assunto, o anteprojeto buscou conferir tratamento adequado ao compartilhamento da companhia e das despesas com os pets, a ser observado por ex-cônjuges e ex-conviventes (artigo 1.566, parágrafo 3º).

Fonte: STJ

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